Manifesto
do Caçambeiro
Nós,
catadores de madeira descartada, de seus assemelhados, derivados e
produtos feitos de madeira, trazemos este Manifesto à sociedade,
para que passemos a ser vistos, tratados e reconhecidos da maneira
que merecemos.
É preciso que a sociedade perceba que, seja
por prazer, por necessidade ou por ambos, profissionalmente ou não,
recolhemos matérias nobres que teriam triste destino, se não fosse
nossa interferência no selvagem processo de consumo e descarte, que
impera hoje nos mercados de todo o mundo. O que recolhemos para
reaproveitamento seria, na melhor das hipóteses, queimado em fornos
e lareiras; na maioria dos casos, aquilo que vamos transformar em
mobiliário e outras utilidades, seria depositado em aterros
sanitários para apodrecer sem sequer ter sua matéria orgânica
aproveitada como fertilizante, tendo ali um destino tão triste e
inútil quanto o nosso, quando morremos.
A sociedade, como um
todo, precisa entender que, ao recolher madeira pré-utilizada e seus
derivados, não estamos, como o leigo pode imaginar, necessariamente
nos aproveitando da economia de dinheiro ou trabalho. Ao contrário,
ao reutilizar esses materiais, quase sempre nos vemos obrigados a
muitas horas de esforço transformando essa matéria-prima em algo
aproveitável, removendo pregos, parafusos e partes apodrecidas,
retirando tintas, vernizes e outros acabamentos, desempenando,
aplainando e recobrindo rachaduras e buracos decorrentes da
utilização anterior. É preciso considerar também que boa parte
desses procedimentos exige equipamentos caros, de manutenção
igualmente dispendiosa.
Além disso, a partir de
material nessas condições, de qualidades e medidas decididas pelo
acaso, muitas vezes nos vemos obrigados a adaptar nossos projetos por
não dispormos da matéria-prima que necessitamos.
Sendo
assim, é preciso que se entenda que comprar madeira nova seria para
nós, na maioria dos casos, muito mais prático e barato. Não
fazemos isso porque não é da nossa natureza. Para nós, não há
cabimento em se tratar madeira como se fosse lixo. Uma simples tábua
jogada numa caçamba significa, para nós, uma oportunidade de
resgatar a memória de um ser vivo que, há muitos anos, cresceu
lentamente, e depois foi obrigado a ceder seu corpo em sacrifício à
espécie humana e suas necessidades, muitas vezes fúteis. Recolher e
reaproveitar madeira jogada fora é celebrar a gratidão de nossa
espécie a essa árvore desconhecida. E é isso que nos move nessa
tarefa inglória, cansativa e dispendiosa.
Para tudo isso, não
pedimos ajuda de nenhum tipo. Pedimos apenas que nossa silenciosa
cruzada não seja incomodada ou interrompida por aqueles que
desconhecem nossa missão: ajudar na limpeza dos dejetos que nossa
espécie deixa para trás, homenageando a quem foi obrigado a se
sacrificar por nós.
Muito obrigado.
Branco
Leone
(Postado originalmente no Fórum do GDM)